
Estou sentado à mesa e sou o único que não vai comer. Estamos num daqueles restaurantes tipicamente lisboetas que se mantêm resilientes face à onda trendy/gourmet/veggie/michelin-wannabe que invadiu a cidade. São as toalhas de papel, as facas sem serrilha, os cadáveres dos peixes expostos à janela, o menu onde o bitoque é rei e os empregados que refilam sem filtros. Almoçar aqui, para mim, traduz-se numa omelete de queijo acompanhada com brócolos demasiado cozidos.
Estou rodeado por uma panóplia de pessoas, a maior parte são amigos de longa data. Quando explico que não vou comer, a piada trocista sai sem atrito. Comeste um hambúrguer de quinoa em casa? E todos se riem. Incluindo eu, que riposto: Quinoa e lentilhas! O riso já está a morrer e a minha resposta conivente encontra apenas um ou dois olhares de julgamento. Inevitavelmente ouço internamente: Lá está este gajo com a mania que é diferente. Sou eu a julgar-me. Necessito de apaziguar o desconforto interno e mudo de mesa. É uma estratégia conhecida – rejeito para não ser rejeitado. Ao sentar-me num novo lugar recebo um daqueles olhares que acolhem e dizem: que bom que estás aqui. Sinto finalmente o crítico interno a calar-se. Só agora é possível estar inteiro, sem jogos políticos, sem querer agradar/atacar/defender-me do outro. Sentir-me aceite com todas as minhas merdas tem esse poder.
Sair do trilho suposto
Já há algum tempo que ando a desbravar um caminho orientado pelo meu sentir, atento à tentação das sereias: status, dinheiro e poder. Fui da gestão de projetos para o mundo da psicoterapia, deixei crescer o cabelo, tornei-me vegetariano, fui estudar psicoterapia e tenho explorado a minha versão palhaço. Não são propriamente escolhas alinhadas com o meu percurso inicial de vida. Ainda assim, observo-me menos ansioso, mais seguro, mais satisfeito, realmente satisfeito. Neste processo de me reinventar estou muito em contacto com a minha necessidade de que os outros gostem de mim. Fui descobrindo que algumas pessoas foram deixando de gostar e isso dói. Não há nada a fazer. Eu não sou responsável pelo que os outros sentem, apenas pelo que eu sinto.
É mais fácil dizer que não sou responsável pelo que os outros sentem, do que agir de acordo com essa afirmação. A rejeição desperta um fogo dentro de mim que fica difícil de conter. Surge o impulso de escrever um artigo inteligente que desarme quem me rejeita. Um artigo que reúna comentários que me validem. Quero sentir que também faço parte de um grupo e faço-o julgando os outros. Rejeitar para não me sentir rejeitado.
Não admira o poder das redes sociais. Esteja onde eu estiver, a tribo está comigo. Posso dar comigo no meio da Love Parade ou no meio de uma Procissão Religiosa, sentir-me deslocado, enviar uma fotografia para o meu grupo a troçar do aspeto de quem me rodeia e os emoticons salvar-me-ão imediatamente da minha solidão. Põe à margem quem não pertence. Nós pressupõe Eles.
Transcender a mitologia
Dias depois do almoço desabafei que mais uma vez me tinha sentido gozado. Retorquiram: Esse é o custo que tens de pagar por quereres ser diferente. O velho argumento falacioso: “é assim que o mundo é”. Discordo. Discordo, porque acredito em escolhas que nos levam a transcender a mitologia onde vivemos imersos. Apesar das tribos terem esta lógica binária: ou pertences ou não pertences. Apesar de compreender que eu também pratico o desporto de rejeitar e julgar o outro para sobrecompensar sentir-me rejeitado. Apesar do mundo ser assim, continuarei a desenvolver em mim a capacidade de aceitação que constrói pontes e não muros. Podem chamar-lhe uma ingénua aspiração lennoniana. Eu sei que é. Mas há alguma outra forma de sonhar?
Ah! E se quiseres experimentar os hambúrgueres de quinoa e lentilhas tens aqui a receita (julgamentos-free): https://www.rebootwithjoe.com/lentil-and-quinoa-veggie-burgers/
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Foi das coisas mais dificeis de ensinar aos meus filhos, ensinar a seres tu fora da tribo, a poderes expressar-te mesmo que estejas em minoria. Para os miudos em particular na adolescência isso é muito dificil. Todos os miudos querem fazer parte da tribo, têm medo de ser rejeitados, gozados. Mas se não consegues fazer com que o consigam em crianças em que adultos se vão tornar? Mas ensinar aquilo que tu tambem não sabes fazer, porque nãp aprendeste, é ainda mais dificil. Mas não é impossivel. Digo hoje muitas vezes para choque de muita gente que uma das minhas… Ler mais »
Uma vez tentei fazer hambúrguer de quinoa…. foi um desastre. Parecia tudo menos quinoa. Não voltei a experimentar e no final de contas nunca comi.
Da próxima pode ser uma alternativa à pizza. 😂
Podes editar o próximo livro… eu compro.
Um abraço, meu amigo. Adoro a tua escrita!
Ps: bendito POL e as partilhas…..lol
Texto fabuloso. Parabéns
Obrigado Miguel.
Grata pela partilha, fez todo o sentido para mim, tenho descoberto que se nos mantermos fieis a nós próprios podemos nos “perder” de uma tribo por mudança nos nossos hábitos mas passando pela “noite escura da alma” descobrimos novos elementos com quem partilhar experiências. Decidi caminhar num mundo livre de sofrimento e de forma natural, sinto que sou rejeitada quando também eu me rejeito, o título ressoou em mim e o conteúdo fez todo o sentido – “rejeitar para não ser rejeitado” dá-me segurança, aceitar-mo-nos tal como somos e priorizando aquilo que nos faz bem descobrimos que a nossa verdade… Ler mais »
Obrigado pela partilha e reflexão Cláudia.
Excelente, como sempre. Para reflectir.
Meu caro Rodrigo se, “A rejeição desperta um fogo dentro de mim que fica difícil de conter. Surge o impulso de escrever um artigo inteligente que desarme quem me rejeita. Um artigo que reúna comentários que me validem. Quero sentir que também faço parte de um grupo e faço-o julgando os outros. Rejeitar para não me sentir rejeitado.”, tens mesmo de analisar, talvez aqui pelo ambiente do restaurante onde há tempos almoçámos ambos. Nós podemos fazer a nossa vida, praticarmos as nossas ideias e se essa postura se fizer com coerência, obtermos a consideração da maioria de quem nos rodeia,… Ler mais »
Obrigado pela reflexão António. Gosto desta ideia de trocar o bom pelo justo. É também trocar o agradável pelo coerente.
Rodrigo, fico satisfeita por vê-lo experimentar caminhos que lhe sejam coerentes. Essa, para mim, é a verdadeira plataforma da tranquilidade. Plana e livre dos fantasmas de aceitação externa. A aceitação também é importante , como é evidente, mas se não nos escravizar ou vitimizar. Já trilho o caminho do vegetarianismo há 15 anos e estou na minha transição para vegan. Não por moda. Por profundo respeito àquilo que se foi tornando cada vez mais evidente para mim: o valor intrínseco de cada ser senciente. A leitura de Peter Singer e a visualização do Earthlings ajudaram a esta nova visão, mais… Ler mais »
Obrigado pela partilha Isabel. Concordo muito com a importância da tomada de consciência da armadilha psicológica que é o antropomorfismo.
Identifiquei-me com o teu texto Rodrigo, e com o “comeste um hambúrguer de quinoa em casa” ou uma outra frase que oiço habitualmente “não me digas que agora és fundamentalista”?! A vida é sábia, dá-nos e tira-nos (pessoas) ao longo do percurso trilhado, mas no fundo compensa-nos sempre quando as escolhas são feitas de acordo com o que faz mais sentido! No meio de quem compreende e de quem não compreende algumas opções/caminhos, as “pontes”, conforme dizes, são a possibilidade para quem queira olhar para o outro lado da margem, a que é “diferente”, e quem sabe deixar-se contaminar! E… Ler mais »
Obrigado pela tua reflexão Ana. Beijinhos grandes.
Que bela forma de construir pontes! Pela partilha de sentimentos, pensamentos que apesar de teus são
tão de todos nós!
Obrigado. É também esse a motivação que me leva a escrever 🙂
Gostei do teu texto Rodrigo 😉 Revi-me muito neste cenário de me sentir criticado e julgado por fazer alguma escolha alimentar diferente da carne e do peixe e da mini. Tenho notado como por vezes uma escolha fora da norma parece indignar ou ofender gostos mais convencionais. Parece-me que as piadas e a vontade de julgar, partem de um lugar de muito desconforto de quem as faz. Um lugar que morre de medo com confrontar-se com a mudança ou com a tomada de consciência. A piada parece ser mais uma estratégia para continuarem a não querer ver o impacto das… Ler mais »
Obrigado pela tua reflexão. Muito fixe.